quarta-feira, 13 de julho de 2011

Sobre a naturalidade de uma rã no talo

Não darei aula de biologia, mesmo que meu casulo agora seja a Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul. Eu vim aqui é pra falar da vontade que tenho de ler só [e pra sempre] o Manoel de Barros. Isso mesmo: pro resto da vida, porque quando fico assim, vidrada, quero apenas e tão somente meu objeto afetivo. Sem cinismo: minha fidelidade é canina. Porque ele, o Manoel, faz tátil aquilo tudo que um dia eu sequer vislumbraria... E mesmo que o Houaiss o compare a São Francisco de Assis, "na sua humildade diante das coisas", sou o diabo duma arrogante, que certa feita julgou severamente um amigo que disse: "tenho urgência, sou órfão". E hoje, nessa pele, entendo que é isso aí: quem perde, ganha muito, quer mais, empurra o que não serve, puxa pra perto o que necessita. Quem se atrever a não atender um órfão, sabe o que o órfão faz? ELE GRITA! Ou vai ler "Compêndio para uso dos pássaros", que é o manual da vida. Abre lá e tá tudo dito, mas a gente destrói as regras, néam? Então que o meu amante da vez, o Manoel esse de Barros, foi "aparelhado para gostar de passarinhos". Ele quase atende por João-de-Barro e sabe que 

"no escritório de ser inútil
passo horas descascando palavras.
Vou até o caroço delas.
Ontem levei a palavra 'alma' para descascar.
Descobri que é uma palavra linda,
escura e de olhos baixos". 

Não sei muito bem escutar, deveria descascar menos bergamotas e mais palavras, não tem passarinho gorjeando, alma é algo que aprendi a não negociar, mas sei que quero viver com essa ventania toda à la Scarlet O'Hara e deixar o Jeneci no repeat ad eternum porque meu coração é uma batedeira e faz tempo, tempo, tempo... Ó, BEM GRANDÃO ASSIM DE TEMPO que eu esqueci o jeito de me portar.

Não quero voltar pra casa, nem pro bar. Mudei a medicação e já não acredito em deus nem nos orixás, mas na psicanálise e nas drogas prescritas. Melhor mãe medicada que filha chapada. Mãe de mim, que esse mundo filho de uma puta levou e nem me deu tempo de chorar direito, mas não é coitadismo, não... "se fosse fácil não era pra ti",  disse meu melhor amigo hetero e irmão de alma e astro bússola e até mesmo mãe, em tom de elogio, porque ele sabe que com a gente a adaga voa afú!

Feito Manoel de Barros, 

"nasci para administrar o à-toa
o em vão
o inútil.
Pertenço de fazer imagens.
Opero por semelhanças".
 

Uma coisa é fato, dessas vontades todas: 

"Preciso de obter sabedoria vegetal.
(Sabedoria vegetal é receber com naturalidade uma rã no talo.)
E quando esteja apropriado para pedra, terei também
sabedoria mineral".